Entradas eram expedições oficiais que penetravam pelo interior do Brasil no século 16, buscando conhecer e aproveitar as terras pertencentes à coroa portuguesa. Diferentemente das bandeiras, expedições não oficiais que ocorreram nos séculos 17 e 18, as entradas eram geralmente provocadas por lendas fantásticas sobre a existência de minas de metais preciosos, mas respeitavam a demarcação constante do Tratado de Tordesilhas, acordo firmado em 1494 entre Espanha e Portugal, estabelecendo limites para as conquistas marítimas dos portugueses.
Essas incursões realizaram-se desde o início da colonização do Brasil, como as feitas por Francisco Chaves, Aleixo Garcia e Pêro Lobo. No governo de Tomé de Souza também aconteceu a de Miguel Henriques, mas embora as informações disponíveis sobre elas não sejam precisas, sabe-se que foram pouco proveitosas. Em 1553, Francisco Bruzza de Espinosa, aventureiro espanhol, margeou o rio Jequitinhonha à frente de doze homens e numerosos índios, chegou ao lugar onde hoje se situa a cidade de Diamantina, MG, e daí avançou até o rio São Francisco, regressando pelo rio Pardo. Pouco depois foi a vez de Martim Carvalho e Sebastião Fernandes Tourinho alcançarem as terras atualmente pertencentes a Minas Gerais, através do rio Doce. Anos depois (1573) Tourinho explorou a serra dos Órgãos, enquanto Antônio Dias Adorno, neto de Caramuru, também chegava a Minas Gerais, onde escravizou nada menos que 7.000 índios de tribos diferentes.
O historiador português Gabriel Soares de Souza (1540-1591), um dos primeiros escritores a se ocupar das coisas do Brasil, também penetrou no sertão oriental do rio São Francisco, colhendo material para o seu livro Tratado Descritivo do Brasil, de 1587. Em 1597, Martim de Sá, filho do governador Martim Correia de Sá, transpôs a serra da Mantiqueira para percorrer os sertões de São Paulo e Minas Gerais e alcançar o rio Verde, numa expedição que teve o relato precioso de um de seus integrantes, o inglês Antony Knivet. Já no início do século 17, Marcos de Azevedo partiu com alguns homens do Espírito Santo, regressando com pedras preciosas.
Quanto a Gabriel Soares de Souza, seu interesse em enfronhar-se pelo sertão surgiu de uma carta enviada por ser irmão moribundo João Coelho de Souza, falando do ouro e diamantes que encontrara em suas andanças pela selva. Ele então largou sua fazenda no Recôncavo, conseguiu - sabe-se lá como - o título de “capitão-mor e governador da conquista e descobrimento do rio São Francisco”, e deu início à grande aventura. Os registros que fez sobre tudo que viu, soube, ou ouviu dizer, circularam em Lisboa em 1599, com o título de Notícias do Brasil, e foram incluídos posteriormente pelo historiador Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878), patrono da cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, em sua magnífica obra “Reflexões Críticas Sobre o Es-crito do Século XVI, Impressas com o Título Notícias do Brasil, no Tomo II, da Coleção das Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas”, publicada por ordem da Academia Real de Ciências.
Um dos comentários feitos sobre o livro “Tratado Descritivo do Brasil”, diz que Gabriel Soares nos conduz a um passeio detalhado e maravilhoso por aquele Brasil dos primórdios. Tendo como ponto de partida os acidentes mais setentrionais da costa brasileira, estendeu-se do Rio Amazonas até o Rio da Prata. Em meio a isso tudo nos conta as histórias dos tupinambás, dos tapuias, dos potiguares e de tantas outras tribos mais. O que comiam, como pescavam e de que como caçavam ou combatiam, das canoas e jangadas que faziam. Fala-nos da mandioca, do milho, dos legumes, da pimenta, dos cajus e dos mamões, dos insetos, dos anfíbios, das jibóias e dos bugios. Homem do seu tempo, Gabriel Soares também se deixou embalar pelas histórias fantásticas, de índios assombrados, entre outras por aquela que relatava as maldades do Upupiara, o homem marinho, o terror do Recôncavo, meio bicho, meio peixe, que saltava das profundezas dos rios e abocanhava quem estivesse em suas margens. Diz Gabriel que cinco escravos índios seus sumiram assim. Num outro ataque, o único que se salvou ficou tão "assombrado que esteve para morrer". Foi enfático também o autor, na luta dos portugueses em dominar aquele mundo bravio, imenso e doido. Todos os historiadores do Brasil que se seguiram, como Frei Vicente de Salvador ou Robert Sout-hley, beberam em suas páginas.
Em suas anotações, Gabriel enfatiza que "se os estrangeiros se apoderarem desta terra, custará muito lançá-los fora dela". E descrevendo sua dimensão e vastidão, afirma que ela tem uma "costa de mil léguas... de terra quase toda muito fértil, mui sadia, fresca e lavada de bons ares, e regada de frescas e frias águas... e que além de ferro, aço, cobre, ouro ,esmeralda, cristal e muito salitre... tem mais quantidade de madeira que nenhuma parte do mundo”.
Supõe-se que Gabriel Soares de Souza, bem como Aracy, o índio guia, morreram bem próximo ao lugar onde seu irmão João Coelho de Souza também sucumbira cerca de sete anos antes.
Este texto também foi publicado em www.efecade.com.br, que o autor está construindo. Visite-o e deixe a sua opinião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário